Sempre dizemos entre nós que as histórias que cruzamos pelo caminho são as cerejas de nosso bolo, os momentos que nos fazem ter a certeza que tomamos o caminho certo.
Muitas das histórias que vivemos pela estrada, nasceram por acaso, sem pretensões, como a história que contaremos neste post.
Uma mulher chilena que conhecemos através de nosso trabalho como fotógrafos, por ser a proprietária de uma pousada em Copiapó e também uma importante executiva de uma mineradora na região, nos propiciou vivermos um dos momentos mais emocionantes da viagem. Nascida e criada na cidade, ela conhece como ninguém as histórias de desastres nas minas, especialmente o ocorrido na Mina de San José, quando, em 2010, 33 mineiros ficaram 70 dias soterrados a cerca de 800 metros abaixo da terra. Um evento que o mundo inteiro acompanhou através da televisão, dia após dia.
O que não imaginávamos era que ela conhecesse profundamente um dos 33 mineiros que ficaram soterrados, o Jorge Galleguillos. No momento em que nos contou sobre ele, logo pensamos: “seria incrível se pudéssemos encontrá-lo para ouvir suas histórias daqueles 70 dias de escuridão”. E não deu outra. Ela ligou para o Jorge que, gentilmente, aceitou nos receber na Mina San José e nos contar tudo sobre a história. Seria no dia seguinte e não víamos a hora de partir para este encontro.
Estudamos muito sobre o acidente, lemos muitas matérias jornalísticas da época e seguimos para encontrar o Jorge.
Chegamos à Mina de San José quase duas horas da tarde, debaixo de um sol fortíssimo e logo nos deparamos com Jorge Galleguillos. Dono de um carisma incomum por estas bandas, Jorge nos cativou no primeiro contato. Sentimos que havia algo de muito especial nele e desejávamos descobrir o que era.
Começamos a caminhar sobre a mina, calmamente, seguindo os seus passos. Logo na primeira parada, ele disparou: “estávamos sem expectativa nenhuma sobre o resgate. Não imaginávamos que fossem nos encontrar. Estávamos todos, unidos, somente esperando a morte chegar”.
Segundo o Jorge nos contou, no dia anterior à descoberta dos mineiros, eles fizeram a mais importante de todas as reuniões. Antes da reunião começar, o mais debilitado de todos os mineiros, um jovem, pediu a palavra e sugeriu que todos eles comessem o restante dos atuns que guardavam no exato momento. A fome o impedia de raciocinar claramente e, por decisão da maioria, foi mantido o intervalo de refeições, alternado de 48 em 48 horas para 60 em 60 horas. Era a última cartada do grupo, tentando alongar a sobrevida dos 33 mineiros soterrados.
No dia seguinte, o 18º após o acidente, eles foram descobertos pela primeira sonda.
De acordo com o Jorge, o primeiro contato deles com as autoridades foi através de uma forte “pancada” na sonda metálica que havia atingido o local que estavam, a quase 800 metros de profundidade. Ele nos mostrou, inclusive, a ferramenta que eles usaram para golpear a sonda e transmitir o ruído até a superfície.
Inúmeras tentativas frustradas de encontrar os mineiros foram realizadas nos primeiros dias. Uma delas, já no 15º dia após o desastre, não atingiu o local que estavam por apenas 75 centímetros. Muitos que trabalhavam no local já descartavam a possibilidade de estarem vivos. Pensavam que o refúgio tinha sido alcançado, contudo não haveria ninguém vivo lá para enviar uma mensagem.
Muitas das lembranças dos dias embaixo da terra sumiram, desapareceram como se nunca tivessem existido. Segundo ele, as principais recordações são do escuro extremo, a falta de ar, o calor e o silêncio. Isto mesmo, na maior parte do tempo, reinava o silêncio entre eles, um claro sinal da angústia interna que viviam.
Calado na maior parte do tempo, o Jorge sempre se mostrava sorridente, extrovertido e alto astral. Ele foi o 11º mineiro a ser resgatado da mina no dia 13 de outubro de 2010. Mais de seis anos se passaram e muitas promessas ficaram enterradas no fundo da mina.
Nada que tire a alegria deste homem fantástico e muito valente. Um homem que muito nos ensinou sobre acreditar e continuar acreditando, mesmo nos momentos mais difíceis.
Obrigado Jorge Galleguillos, por nos transmitir tanta energia e positividade nesta vida. Conhecer as suas histórias e a sua luta diária pela sobrevivência, ao longo dos 70 dias soterrados, nos mostrou o quanto os desafios nos moldam pessoas melhores e mais corajosas.